Tabus na Arte

A Arte Como Espelho (Que Reflete o Que Ninguém Quer Ver)

Por que os artistas parecem ter uma atração tão grande por aquilo que a sociedade tenta esconder ou silenciar? Porque ali existe uma arte com verdade, que ressoa com a nossa condição humana. Quando um artista aborda um tabu – seja ele sobre sexualidade, morte, política ou religião –, ele está nos forçando a olhar para aquilo que nos causa desconforto.

Com toda licença poética, quem mais poderia fazer isso senão os artistas?

Quem mais teria coragem, senão o artista?

A arte, para mim, como pessoa criativa, é lugar de desconforto, de desafio. A arte pode agradar, aliviar, liberar tantas coisas guardadas, mas muitas vezes não busca apenas agradar; ela busca provocar. Já fiz um episódio no meu podcast e tem um texto legal aqui sobre a BAD ART, onde eu falo sobre a beleza, a arte boa, a arte bonita, o querer ver apenas mais daquilo que gostamos e como, com tantos algoritmos de satisfação, vamos nos fechando naquilo que nos agrada, que é feito para o nosso perfil. Recomendo muito a leitura desse outro texto também, que está cheio de outros exemplos de filmes e performances da arte que é considerada ruim, e que mesmo assim podemos ser tocados por ela.

Fountain. 1917, Marcel Duchamp.

O famoso mictório de Marcel Duchamp, "A Fonte" (1917), assinado como "R. Mutt", é um dos maiores exemplos de provocação na arte. Ao apresentar um objeto cotidiano como obra de arte, Duchamp questionou o que é arte, quem decide o que é arte e a própria instituição da arte. Ele atacou o tabu da sacralidade e exclusividade do objeto artístico, abrindo caminho para o conceito de "ready-made" e para a arte conceitual.

Assim como performances e instalações, como “Art must be Beautiful, Artist must be Beautiful” de Marina Abramovic ou "Rhythm 0" (1974), onde ela se tornou um objeto e permitiu que o público fizesse o que quisesse com ela, explorando tabus relacionados ao corpo, à dor, ao controle e à vulnerabilidade humana. Ao expor a crueldade potencial do público, Abramović empurrou os limites da performance e nos fez confrontar a nossa própria humanidade (ou a falta dela).

Essas obras, muitas vezes chocantes, são fundamentais para o avanço da compreensão sobre a condição humana.

No próprio filme vencedor do primeiro Oscar brasileiro, Ainda Estou Aqui, temos a representação de como artistas são perseguidos em regimes totalitários. As obras que tratam de temas políticos sensíveis ou de críticas sociais em regimes assim frequentemente quebram tabus de censura e opressão. A arte se torna um veículo para vozes que seriam silenciadas de outra forma, um grito de liberdade em meio à opressão.

Um caminho tão procurado por uns, mas também tão temido por outros.

O desconforto que a arte tabu nos causa é, na verdade, um sinal de sua eficácia. Ela nos obriga a confrontar nossos próprios preconceitos, a questionar o status quo e a expandir nossos horizontes.

Originalmente, o termo "tabu" (do polinésio "tapu") estava associado a algo sagrado, perigoso ou impuro, cujo contato ou uso era proibido por temor de castigo divino ou sobrenatural.

É importante notar que os tabus não são universais e podem variar significativamente entre diferentes culturas, épocas e grupos sociais. Algo que é um tabu forte em uma sociedade pode ser perfeitamente aceitável em outra. Além disso, os tabus não são estáticos; eles podem evoluir e até mesmo desaparecer ao longo do tempo, à medida que as normas sociais e culturais mudam.


O que me faz pensar no motivo pelo qual eles mudam.

E para além de diversos fatores, cada artista que nem teve sua história contada nos livros de história da arte, mas que ainda assim cantou sua música ou pintou seu quadro de forma diferente, que foi honesto principalmente consigo mesmo, conseguiu mudar opiniões.

Somos nós quem vamos criar uma realidade diferente, mostrar um outro caminho que a humanidade pode seguir. Somos nós que vamos ser presos, exilados, queimados. Mas o mundo será diferente depois disso.

fonte: Sebastiao Salgado em entrevista para Welt.

Recentemente o fotógrafo Sebastião Salgado faleceu e ele foi um fotógrafo brasileiro muito importante, exilado na França durante a ditadura militar. Ele voltou ao Brasil, abandonou a carreira de economista aos 27 anos e foi fotografar pelo mundo cenas e momentos considerados tabus para a sociedade, como a fome, a pobreza, a mineração, a situação dos povos indígenas no Brasil. Ele deixa o mundo sendo um símbolo do quão desafiador pode ser lidar de frente com esses tabus.

5 Razões para se ter tabu na sua arte, se você também é artista:

  1. Exploração da Condição Humana

    Tabus frequentemente tocam nos aspectos mais profundos, primários ou desconfortáveis da existência humana – nossos desejos, medos, vergonha, violência, sexualidade, morte e ansiedades sociais. A arte, em sua essência, busca compreender e representar a experiência humana em toda a sua complexidade. Ao retratar tabus, os artistas podem mergulhar nas verdades cruas e não filtradas do que significa ser humano.

  2. Desafiar Normas e Provocar Diálogo

    Para fazer um comentário social e desafiar o status quo. Ao trazer temas tabus para o olho público, os artistas podem forçar o público a confrontar verdades incômodas, questionar normas estabelecidas e reavaliar suas próprias crenças. Isso pode iniciar conversas importantes e até mesmo contribuir para a mudança social. Por exemplo, filmes que tratam de saúde mental ou questões LGBTQ+ ajudaram a desestigmatizar esses tópicos ao longo do tempo.

  3. Tensão Dramática e Conflito

    Tabus, por sua própria natureza, são proibidos ou altamente sensíveis. Introduzi-los em uma narrativa cria imediatamente tensão, conflito e apostas altas. Personagens que se envolvem com tabus enfrentam consequências severas, turbulência interna ou oposição externa, o que torna a narrativa envolvente e cativante. O aspecto proibido atrai o público e sempre o fez.

  4. Catarse e Liberação Emocional

    Envolver-se com temas tabus em um espaço fictício e seguro pode ser catártico para o público. Permite-lhes processar emoções difíceis, medos ou ansiedades indiretamente, sem ter que experimentar as consequências do mundo real. Isso pode ser particularmente verdadeiro para tópicos como luto, trauma ou violência, ajudando também a processar essas emoções fortes ou experimentar coisas para além da sua própria realidade, gerando mais empatia para com situações difíceis para fora da gente também.

  5. Curiosidade e Fascínio

    Existe um fascínio humano natural pelo que é proibido ou oculto. Tabus tocam em uma curiosidade primordial sobre os limites do comportamento e do pensamento aceitáveis. Esse interesse inerente pode atrair o público para histórias que exploram esses territórios proibidos. Afinal, o que é o ser humano senão um ser curioso? Tratar sobre tabus nas histórias é uma forma de mudá-los, nos fazer repensar. Sempre pensei na arte como um lugar de desconforto e desafio, não só sobre estética e prazer, é um lugar de encontro, de história que precisa de drama, morte, reflexões. É na arte que se tem um poder de mudança. É nos artistas que se precisa de coragem para tal.

    Eu convido você a pensar qual a última história te foi contada e qual tabu tinha nela?

    E aqui deixo uma lista de obras sugeridas para se refletir sobre vários tabus:

  • peças: Édipo Rei e peças do Nelson Rodrigues

  • filmes e séries: Atorment, The Dreamers, Gracie e Frankie

  • animes: Diários de uma Farmacêutica (Netflix)

  • livros: Fearless de Lauren Roberts, Casa de Incesto de Anais Nin, mangá Bianca de KEN

  • performances da Marina Abramovic no YouTube

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